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Uma História de resiliência, no regresso do "Diário do Nuno" PDF Versão para impressão Enviar por E-mail
Diário do Nuno
Segunda, 12 Abril 2021 09:36
Filipe3 anos e meio após o último artigo escrito no "Diário do Nuno" estou de volta a este espaço.
E para recomeçar, nada melhor do que o texto que escrevi sobre o Filipe Frazão no passado dia 9 de abril, data em que se disputou a prova de espada No Campeoanto do Mundo de Juniores, onde o Filipe terminou num excelente 28º lugar entre 159 atletas.
 
"Hoje vou-vos contar uma história.
Há 4 anos atrás, um pequenote de cabelo encaracolado fazia as suas primeiras aparições entre a elite do seu escalão, Cadetes (sub 17), conquistando um 5º lugar numa prova do Circuito Internacional em Cracóvia e, uns meses mais tarde, o 16º lugar no Campeonato da Europa do mesmo escalão, eliminado no quadro 16 por 14/15 (tendo estado a vencer 14/13), pelo atleta Russo que viria a conquistar a medalha de Prata.
Apesar da Esgrima ser uma modalidade que não prima por estabilizar desempenhos, tal o equilíbrio e o leque alargado de atletas com valor para entrarem nos primeiros lugares de qualquer competição, eram legitimas as aspirações deste pequenote de cabelo encaracolado a desafiar-se no escalão seguinte, Juniores (sub20), último escalão jovem composto pelos 3 anos que antecedem o lançamento dos esgrimistas no árduo mundo do escalão Sénior.
Mantendo o cabelo encaracolado, mas já não suficientemente pequenote para que possa continuar a apelidá-lo como tal, este jovem espadista avançou para o patamar seguinte, os ditos Juniores, com a determinação de continuar a progredir tentando fazer jus aos indicadores dados como Cadete e, nesse caminho, seriam os Campeonatos do Mundo o expoente máximo da expressão desse empenho tornando-se legitimamente os momentos altos pelos quais ambicionava e para os quais trabalhava incansavelmente na construção dos seus Sonhos.
E é agora que a história, como a maior parte das histórias (pelo menos aquelas dos enredos dos livros e dos filmes) se complica, colocando o nosso jovem de cabelo encaracolado (já não pequenote) completamente à prova.
Lembram-se que o escalão de Juniores era composto por 3 anos?
Há 3 anos atrás, a cerca de 3 semanas de partida para o Campeonato do Mundo de Juniores na Polónia, o nosso jovem de cabelo encaracolado disputava uma prova de seniores nacional que, por sinal, decorria no seu dia de aniversário e, a meio de um ataque por flecha… um choque com as coquis (parte da espada que protege a mão e que fica pouco à frente do punho por onde se segura a espada) e… cai por terra agarrado à sua mão direita… que não conseguia mexer… À saída do hospital, um prognóstico reservado, que se viria a confirmar no pior dos cenários dois dias mais tarde. Rotura de um ligamento na mão e o Mundial do primeiro ano de Juniores por terra.
Foi operado, treinou e competiu internamente com a mão esquerda e 5 meses depois estava de volta ao Circuito Mundial, conquistando ali por fevereiro de 2020 uma posição entre os 32 primeiros na prova do Circuito Mundial de Basileia, sendo um excelente indicador para o Europeu que se avizinhava na Croácia e para o Mundial dos Estados Unidos um mês mais tarde.
A 48 horas da partida para o Europeu… a Covid deita por terra mais um Sonho desportivo e a delegação de Juniores vê cancelada a sua partida. Um mês mais tarde, em plena pandemia, o Mundial é adiado para outubro e, no final do verão, cancelado em definitivo, afastando o nosso jovem de cabelo encaracolado do Mundial do seu segundo ano de Juniores.
À entrada para a época 2020/21 havia ainda esperanças de que o Mundo conseguisse desviar este difícil adversário de nome abreviado, Covid, e permitisse pouco a pouco a retoma da atividade competitiva internacional, mas, como todos sabemos, não foi esse o desfecho e, pouco a pouco foram sendo canceladas as provas, até que ficou apenas em suspenso o Mundial do Cairo (a 3ª e última oportunidade do nosso jovem de cabelo encaracolado).
Numa altura em que já não pensávamos que a “coisa” se concretizasse, eis que surge a confirmação da realização deste Mundial. Sem euforias exageradas, conscientes de que tudo podia ainda mudar e que, mesmo não mudando, seriam necessárias várias passagens negativas pela inspeção cuidadosa das zaragatoas até poder jogar de novo um Mundial, o nosso jovem de cabelo encaracolado lá chegou à terra dos Faraós, 3 dias antes da sua prova, que se disputou hoje.
Agora uma pequena viagem até às 5h30 desta madrugada (4h30 em Portugal), ao meu WhatsApp:
“Bom dia pai. Qual é o número do teu quarto para te ligar sff?”
“531… (que se passará?)
Toca o telefone:
“Está tudo bem Filipe?” (nome que eu e Carla atribuímos no primeiro dia de nascença ao nosso jovem de cabelo encaracolado)
“Desde a meia-noite que estou a caminho da casa de banho com uma tremenda diarreia… Nem me aguento…”
(pausa para pensar rápido)
“Ok. Trouxemos dois medicamentos para a diarreia. Vamos já tomar. Consegues descer até ao pequeno almoço?”
“Sim”
“Vamos”
(Pensar, trocar mensagens com a mãe, dar um biqueiro na almofada… Descer)
“Mudança de planos na ida para o pavilhão. Não vamos já tão cedo e vamos daqui a 1h30. Vamos aproveitar este tempo para com os medicamentos travar a diarreia, tentar hidratar e tentar segurar algo no estomago por muito pouco que seja”.
Regressei ao quarto e, embora confiante de que íamos contornar mais este contratempo, pensei… (como calculam, não posso escrever aqui o que pensei, pois, o meu pensamento não escolheu esta madrugada as palavras mais corretas do meu vocabulário).
Quanto ao resto da história já conhecem. 28º lugar entre 159 participantes no Campeonato do Mundo de Juniores – Cairo 2021.
Bem sei que não é uma medalha, daquelas de pôr ao peito… é uma medalha muito mais valiosa. E não. Não estou a falar do meu filho. Estou a falar de um dos meus dois ídolos. O meu Amigo e Companheiro Filipe, que por acaso também é meu filho.
E que, para mim, conquistou hoje uma das medalhas mais bonitas e difíceis que se podem alcançar. A medalha de ser uma pessoa excecional, que aprendeu a cair e a levantar-se, e a cair e a levantar-se e a cair e a levantar-se… e que eu sei que, pela vida fora, por cada vez que cair, basta esperar poucos segundos para voltar a vê-lo de pé e que, com a sua determinação, embora não seja o mais importante, um dia… quem sabe?"

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