... a brincar sozinhas Versão para impressão
No último artigo centrei-me num aspecto do desporto que é o sentimento de amizade que este contem e proporciona. Sem grande intuito de escorrer no papel um discurso demasiado lamechas aproveitei o balanço do Torneio da Esgrima e da Ginástica do Parede FC para abordar um tema que acho fundamental e no qual pode estar a "receita", não do sucesso desportivo em si, mas do êxito na construção de um projecto desportivo, que neste caso é uma Sala de Armas.
Se por um lado o sucesso desportivo que alcançámos tem a dimensão que tem e não me cabe a mim quantificá-lo, embora saiba o quanto dista ainda do nosso "Sonho Olímpico", a dimensão alcançada ao nível do número de praticantes e longevidade dos mesmos na modalidade já é significativo e fruto de uma forma de trabalho que contempla algumas "ferramentas" que aprendi uns aninhos lá mais atrás.
Após os primeiros anos de praticante segui, juntamente com o meu treinador Mestre Grave dos Santos, rumo ao Ateneu Comercial de Lisboa seguindo os passos do meu irmão Rui que se tinha juntado àquela equipa de sonho onde, entre outros, pontificavam dois exímios espadistas Olímpicos - José Bandeira e Óscar Pinto - que eu muito admirava.
Ali juntava-se uma verdadeira família a pretexto da Esgrima. Cruzavam-se passatempos - o culto do Jazz e da fotografia a preto e branco - dividiam-se fins-de-semana ou simples dias isolados nas casas de férias de um ou outro, ou simplesmente numa ida à praia a Tróia após o treino de sábado de manhã. Desta fase nunca me esqueço do primeiro concerto de Pat Metheny onde estive na companhia do Paulo Azinhais e do Zé Bandeira no Coliseu (descobri depois que mais a norte tínhamos um outro adepto deste Mestre do Jazz... o Mestre Raul Cabral, quando numa saída a Espanha lá levava ele a gravação do último disco no seu leitor de cassetes. Dividimos os auscultadores e foi uma maravilha). Inesquecível foi também o dia em que o Zé me emprestou o seu velho ampliador de fotografia, que foi durante várias férias de verão o meu companheiro principal na arrecadação da casa de Vila Viçosa onde improvisei um estúdio de revelação.
Jogar perto dos melhores e essencialmente privar com eles dava-me grande confiança. Ouvir as suas palavras, os seus ensinamentos e em troca dar-lhes entusiasmo, garra e ambição... que aos 17/18 anos "todos" temos de sobra. Depois havia os mais velhos que ali continuavam a ir porque gostavam da prática mas principalmente porque se sentiam bem. Mesmo quando não era a Esgrima que reinava (os tempos também eram outros), a "futebolada", as anedotas do Rui Belas, a sopinha na "Brilhante" já pela noite dentro e todos os outros pormenores eram mais do que suficientes para nos levar até lá.
A tudo isto acrescentava-se a história de Vida de cada um, que se ia escrevendo individualmente mas partilhando nas alegrias e tristezas. O casamento do Valério para o qual saímos directamente de uma vitória no Nacional de Equipas já com grande atraso porque demorei horas a fazer o xixi do controlo anti-doping (mas lá seguimos directamente da Lapa todos engravatados). A morte do Francisco Sá num fatídico acidente de mota. Enfim, tantas e tantas histórias.
Bem cedo me identifiquei com esta forma de estar e percebi que era esta a "receita" daquele sucesso. Era tudo isto que nos fazia voltar sempre à Sala para treinar, dar o máximo em cada competição reunir alguns trocos para ir jogar a Espanha e querer sempre mais e mais...
Um dia fui ainda reforçar a minha convicção que este era um formato vencedor num exemplo internacional. Deslocámo-nos várias vezes a Innsbruck para jogar a etapa Austríaca do Circuito Mundial de Espada. Num pequeno corredor debaixo das bancadas do pavilhão encontra-se a Sala de Armas onde treinavam os melhores Austríacos - Kaiser, Robatch e Switack - que eram o exemplo de um País sem muitos atiradores que conseguiu construir uma equipa de Top Mundial. Num cantinho, um pequeno painel de cortiça, desses de colocar os recados, com diversas fotografias e recortes de jornal. Entre notícias dos podiuns do Kaiser em Taças do Mundo lá estavam fotos desses momentos e mais acima umas outras bem antigas com eles muito novinhos... num acampamento, na praia, num aniversário... Ali estava o registo da "sua família", da partilha deste sentimento do desporto que nos faz superar as dificuldades e que, em minha opinião, é grande responsável pelo "sucesso".
Claro está que isto não se constrói de um dia para o outro. Tudo isto se vai construindo com a individualidade de cada um, ao longo de um determinado tempo e de acordo com um "tronco comum" de funcionamento.
Aqui que ninguém nos ouve, é por isto que nunca acreditei muito no "formato" dos Centros de Treino em Portugal. Não pelas pessoas que lá estão ou estiveram (como eu próprio) mas porque o contexto não deixa crescer uma História conjunta e, na minha opinião só so Países com muitos atiradores podem centrar o trabalho no modelo, os outros têm que o centrar nas pessoas.
Para quem nunca prestou muita atenção, quando tiverem oportunidade, atentem num parque infantil cheio de crianças a brincar... pois é... elas só estão juntas num mesmo espaço físico mas na realidade, salvo raras excepções, estão todas... a brincar sozinhas.